É comum criarmos uma persona quando estamos em frente às câmeras, mas, e quando a câmera em questão é uma filmadora que capta férias em família? “Aftersun”, primeiro longa de Charlotte Wells, quer mostrar que sim; é possível fabricar uma fachada mesmo estando em um ambiente tão íntimo. O filme chega nesta quinta-feira (1) aos cinemas.
O filme conta a história de Calum (Paul Mescal) e Sophie (Frankie Corio), pai e filha estão de férias na Turquia por alguns dias e tentam aproveitar ao máximo a viagem. Calum é separado da mãe de Sophie, que, com 11 anos, já começa a enxergar o mundo através dos olhos de uma pré-adolescente. Seu pai é receptivo, se esforça para criar uma conexão com a filha, mas, aos poucos, percebe-se a falta de conexão que ele tem com si próprio.
Dividido em três atos que vão crescendo exponencialmente em ritmo, o longa traz imagens de uma filmadora digital, cenas com lindas paisagens e flashes de uma Sophie vinte anos depois da viagem rememorando a relação com o pai de forma não muito feliz.
Durante as férias em família, portanto, temos a sensação de que a relação dos dois pode ruir a qualquer momento, não porque sejam grossos um com o outro, pelo contrário, se trata de uma relação de amor e carinho, mas existe algo indigesto na convivência de ambos.
Paul Mescal interpreta um pai jovem, um tanto despreocupado que jurou nunca mais voltar ao seu país de origem. É possível deduzir que ele não tem um emprego fixo e que se esforça para manter Sophie financeiramente. Quando a menina perde uma máscara de mergulho, por exemplo, logo em seguida ela se desculpa: “eu sei como foi cara”.
Paul atua com pouca expressividade, o que funciona para o longa, mas mostra uma gama pequena de interpretação do ator, resumindo-se ao “homem melancólico”, se formos considerar seus trabalhos anteriores como “A Filha Perdida” (2020) e “Normal People” (2020).
Frankie Corio, por outro lado, é uma grata surpresa. “Aftersun” é seu trabalho de estreia e a atriz equilibra de forma muito madura a infância e a adolescência, merecendo um filme só para ela; se “Aftersun” focasse ainda mais na jornada de crescimento de Sophie, se tornaria até mais interessante.
O foco, porém, é outro. É o não-dito, é a culpa, o medo do abandono, a depressão. Porém, nada disso é explicitamente debatido. Os diálogos são simples: um pai conversa com a sua filha, mas é nas entrelinhas das palavras que o incômodo se instala.
O ambiente escolhido ajuda o longa a ser imersivo perante o espectador, funcionando como um fio condutor para a história. É nas portas do hotel, no mar e na mesa de sinuca do lobby que muitos dos detalhes da relação de ambos se desenrola.
A montagem de Blair McClendon é impecável, com transições lindas que miram o céu e o oceano, investigando o vazio que existe, principalmente, em Calum.
Por fim, o tema do filme é simples, o que faz com que sobre espaço para o espectador pensar sobre o que acabou de ver. O mistério do filme, porém, não é resolvido. A diretora nos permite adentrar a relação de Calum e Sophie, mas somente até certo ponto.
Por vezes, o conceito de “deixar no ar” pode ser um pouco cansativo em “Aftersun” por ter sido aplicado diversas vezes ao longo do filme, mas a emoção e a reflexão que o filme causa compensam todos os pormenores.
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Fonte: CNN Brasil