Um telefonema há muito esperado entre o líder chinês Xi Jinping e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na quarta-feira (26) recebeu uma recepção incerta em Washington e em partes da Europa por seu potencial de aumentar o diálogo para resolver a guerra brutal da Rússia na Ucrânia.
E também marca o passo mais concreto dado até agora pela China para assumir o papel de mediador que durante meses aludiu desempenhar.
Mas a conversa de uma hora, que se acredita ser a primeira entre os dois líderes nos quatorze meses desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, também vem com poucas propostas tangíveis de como a China pode ajudar a superar a divisão devastada pela guerra entre os dois países.
E a hora em que ocorreu – em um momento em que Pequim está fortemente focada em fortalecer os laços com a Europa em meio a relações com os Estados Unidos – também sugere que há mais motivadores do que apenas a paz no cálculo da China, dizem analistas.
Os laços estão desgastados desde o início da guerra, enquanto os líderes europeus observam consternados Pequim se recusar a condenar a invasão e, em vez disso, reforçar seus laços econômicos e diplomáticos com Moscou, inclusive se juntando ao Kremlin para culpar a Otan por alimentar o conflito.
Os esforços de Pequim para reparar essas relações sofreram um grande tropeço no início desta semana, depois que o principal diplomata da China em Paris sugeriu em uma entrevista na televisão que os ex-estados soviéticos não têm status sob a lei internacional – visto como um aceno potencial à visão de Vladimir Putin de que a Ucrânia deveria fazer parte da Rússia.
“É difícil separar o momento da ligação de Xi-Zelensky desses eventos”, disse Brian Hart, membro do Projeto de Energia da China do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.
“Xi provavelmente cronometrou a ligação para acalmar os temores na Europa, mas resta saber se a ligação ajudará muito Pequim […] Os altos escalões em Pequim recuaram nas declarações do embaixador, mas o estrago estava feito, atrasando as tentativas de Pequim de suavizar sobre o agravamento dos laços com grande parte da Europa”, acrescentou.
“Muitos créditos”
Zelensky, que por meses demonstrou interesse em falar com Xi, expressou esperanças no papel da China pela paz após a ligação, caracterizando-a em seu discurso noturno aos ucranianos como uma “oportunidade de usar a influência política da China para restaurar a força dos princípios e regras sobre o qual a paz deve ser baseada”.
Xi, por sua vez, prometeu que a China “não ficaria de braços cruzados” e planejava mandar um enviado especial para impulsionar a comunicação “com todas as partes” em direção às negociações de paz, de acordo com uma leitura chinesa da ligação – um movimento que é semelhante à medidas que Pequim tomou em outros conflitos regionais, incluindo Afeganistão e Síria.
Mas o que exatamente a China poderia ou espera alcançar permanece longe de ser claro, já que poucos detalhes concretos após a nomeação do enviado Li Hui, um ex-embaixador chinês na Rússia, foram divulgados por Pequim.
Enquanto isso, a guerra continua com a Rússia não querendo desistir de territórios conquistados ilegalmente e a Ucrânia prometendo lutar até restaurar suas fronteiras legítimas.
“Os chineses também têm expectativas realistas sobre o que podem alcançar, pois ninguém acredita que a Rússia ou a Ucrânia estejam prontas para sentar e conversar neste momento”, disse Yun Sun, diretor do Programa China no think tank Stimson Center de Washington.
Em vez disso, a decisão da China de ligar para Zelensky agora pode ser mais uma tentativa de capitalizar o apoio francês ao seu papel de mediador após uma recente visita do presidente francês Emmanuel Macron à China e obter quaisquer benefícios da Europa, acrescentou ela.
“Para a China, (que) a guerra não vai acabar logo não significa que não deva explorar a oportunidade de aumentar sua influência e influência diplomática, (e) fortalecer a boa vontade com a Europa… O sucesso não é garantido para qualquer mediação, mas fazer o esforço ganha muitos créditos para a China e isso não é insignificante”, disse ela.
A China já parecia pronta para impulsionar essa ótica – com seu Ministério das Relações Exteriores anunciando a convocação em uma rara coletiva de imprensa especial apenas para convidados em Pequim na noite de quarta-feira.
Jogador neutro?
Mas outro ponto de vista, o relacionamento próximo de Pequim com Moscou, já incutiu um profundo ceticismo no Ocidente sobre o potencial papel da China como mediadora.
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, Xi reivindicou a neutralidade da China, mas falou com Putin cinco vezes – incluindo duas pessoalmente – sem pegar o telefone para ligar para Zelensky, apesar de uma parceria de nível estratégico de anos entre seus países.
A China também continuou a realizar exercícios militares ao lado das forças russas, com seu ministro da Defesa visitando Moscou no início deste mês e saudando a confiança “cada vez mais consolidada” entre os dois países.
Um “acordo político” vagamente formulado para o conflito divulgado pela China no aniversário de um ano da invasão – e levantado por Xi para Zelensky na quarta-feira – foi amplamente visto no Ocidente e em Kiev como sendo muito mais favorável à Rússia do que Ucrânia. Ele pede um cessar-fogo, mas não inclui nenhuma disposição de que Moscou primeiro retire suas tropas de terras ucranianas.
Este histórico e os estreitos laços pessoais entre Xi e Putin – enfatizados durante uma visita de três dias do líder chinês a Moscou no mês passado – provavelmente minarão a credibilidade de Xi aos olhos de Zelensky, dizem analistas.
Mas esse relacionamento também foi o motivo pelo qual alguns líderes, incluindo Zelensky e Macron, expressaram esperança de que Xi pudesse aproveitar sua influência para influenciar a Rússia a respeitar o direito internacional.
Quando se trata de assumir um papel de mediador, dizem os analistas, a China pode evoluir sua posição de “acordo político” para uma que seja vista como mais aceitável para a Ucrânia. E também pode tentar impulsionar o progresso ao se alinhar com outros países fora do bloco ocidental que também pediram negociações de paz – incluindo o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve em Pequim no início deste mês.
Mas, ao mesmo tempo, a importância crítica do relacionamento da Rússia para a China também pode significar que existem apenas alguns botões que Pequim teria o cuidado de evitar pressionar – minando o potencial de uma verdadeira mediação.
“Não há indicação de que Xi esteja tentando fazer com que Putin ou a Rússia façam concessões de qualquer tipo (e) a leitura chinesa (da ligação) não inclui nada de concreto que possa iniciar um processo de paz”, disse Steve Tsang, diretor do o SOAS China Institute em Londres.
“Dado que a guerra é existencial para a Ucrânia, ela não pode encontrar nenhuma mediação estrangeira tão crível se a parte mediadora apoiar claramente a posição da Rússia, que iniciou a invasão”, acrescentou.
*Com informações de Nectar Gan, Steven Jiang, Yulia Kesaieva e Radina Gigova, da CNN.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
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Fonte: CNN Brasil