A menos de duas semanas das eleições presidenciais, os argentinos estão trocando pesos por dólares por temor pela desvalorização da moeda nacional do país.
Na segunda (9), a corrida cambial se intensificou, e o dólar “blue”, como é chamada a cotação vendida no mercado paralelo, aumentou 65 pesos, quase o equivalente à variação de 70 pesos que sofreu durante todo o mês de setembro.
Enquanto o peso do mercado paralelo se derretia, o candidato ultradireitista Javier Milei, favorito para a eleição presidencial de 22 de outubro, disse que os argentinos não deveriam manter suas rendas fixas em moeda nacional.
“Nunca em pesos, nunca em pesos. O peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto, não pode valer nem um excremento, porque esses lixos não servem nem para adubo”, afirmou em entrevista a uma emissora de rádio local.
Os argentinos vêm retirando gradualmente dinheiro de rendas fixas desde o começo do ano, e a tendência se acentuou nos últimos dias.
Após as declarações de Milei, o Banco Central da Argentina emitiu um comunicado afirmando que “o sistema financeiro argentino apresenta uma sólida situação de solvência, capitalização, liquidez e aprovisionamento”.
“A política monetária desenvolvida pelo Banco Central procura manter o poder aquisitivo das economias através da remuneração de rendas fixas, cuja taxa se define mensalmente ou são atualizados pela inflação, mais uma remuneração de 1%”, diz o texto.
O BC ressalta ainda que “a economia dos argentinos depositada no sistema financeiro está protegida por um seguro de depósito e pelo papel do Banco Central que atua como credor de última instância”.
Dólar fortalecido
A corrida cambial acontece em um contexto de fortalecimento do dólar no mercado internacional nos últimos meses, de excesso de pesos argentinos na economia e de grande nível de incerteza sobre a política econômica do próximo governo, explica o economista Martín Kalos, diretor da EPyCA Consultores.
“O fato de Milei continuar prometendo que vai dolarizar e que esse é seu único plano econômico de estabilização faz com que os tipos de câmbio pareçam baratos hoje”, diz Kalos.
Ele calcula que, para dolarizar — caso o Banco Central consiga os dólares para isso — seria por uma cotação de pelo menos de 3 mil pesos por dólar “no cenário mais conservador”.
Para o economista Matías De Luca, da consultora LCG, a atual corrida por dólares acontece pela antecipação da possibilidade de vitória de Milei.
“A corrida teve início na semana passada, mas ontem teve um debate, e as pessoas já começam a consolidar a ideia de que provavelmente o MIlei será presidente e a declaração dele termina de ativar o mecanismo de autodefesa das pessoas” analisa.
Traumatizados com uma sequência de crises, a população da Argentina costuma recorrer ao dólar como refúgio para proteger suas economias da desvalorização do peso.
Muitos ainda guardam o dinheiro em casa, ou alugam cofres externos para guardar as notas.
A estimativa é que os argentinos tenham entre US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1 bilhão) e US$ 400 bilhões (cerca de R$ 2 bilhões) fora do sistema financeiro do país, seja em divisas estrangeiras no país ou no exterior.
Limite
Para evitar a fuga de dólares do Banco Central, o governo limita a compra a 200 dólares mensais por pessoa ao câmbio oficial, que está em 365, menos da metade do valor vendido no mercado paralelo.
Os argentinos também podem comprar a moeda norte-americana pela cotação MEP, que tem flutuação igualmente controlada pelo governo e cuja cotação saltou de 820 para 839 pesos nesta segunda.
“Se você liberar o mercado de câmbio hoje, o valor do dólar verdadeiro seria 900 pesos. Então as pessoas começam a se antecipar: quem pode, não renova suas rendas fixas e compra dólares agora. É melhor comprar por esse valor agora do que comprar em dois meses por 1.000”, explica.
O economista completa: “Você tem a pessoa que provavelmente vai presidir o país te dizendo para não ficar com pesos, então é autoinfligido”.
Na última quinta (5), quando o peso argentino começou a perder valor com mais velocidade diante do dólar, Milei disse a jornalistas que lhe perguntaram sobre sua proposta de dolarizar a economia que “quanto mais alto o dólar estiver, mais fácil dolarizar”.
Para De Luca, a declaração é de “extrema irresponsabilidade”: “Com esse critério, em uma hiperinflação, o dólar não tem um teto e é muito simples dolarizar sem se endividar, mas o custo para a sociedade é altíssimo, a população é que paga. Para mim é uma declaração infeliz e de extrema irresponsabilidade. A dolarização não deve ser feita à força”.
“Dolarizar a qualquer custo”
Para Kalos, a corrida cambial, que teve início por fatores menores como a liquidações de dólares pelas exportações do setor agrário e questões de política monetária do Banco Central, foi retroalimentada pelas falas de Milei que “exacerbam a intenção de dolarizar a qualquer custo” e enfatizam que as pessoas não devem manter pesos.
As declarações do candidato favorito à Presidência indicam, segundo Kalos, um processo de dolarização “caótica, anárquica, na qual o Estado não intervém e o tipo de câmbio chega a níveis muito mais altos do que o atual simplesmente para dar um equilíbrio a esse regime cambial que ele propõe, que é muito difícil de conseguir, geraria um empobrecimento muito maior da sociedade, além de muitos problemas produtivos”.
Os recursos que estão sendo retirados de rendas fixas devem ser destinados ao consumo, o que pode incidir na inflação, que chegou a 12,4% em agosto e acumulou 124,4% em 12 meses, ou serem investidos em dólares, o que incidirá ainda mais na desvalorização da moeda argentina.
“O que estamos vendo hoje é uma micro-dose do que seria um eventual fim do controle de câmbio”, explica De Luca, que estima “por enquanto” que 2023 terminará com 190% de inflação acumulada.
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Fonte: CNN Brasil