• qui. jan 23rd, 2025

CNN visita hospital com feridos graves de Gaza; vítimas relatam o horror da guerra

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Amir Taha, de 1 ano e 8 meses, está quieto na cama. O bebê tem a pele marcada com uma grave ferida na testa, e hematomas roxos rodeiam um de seus olhos castanhos.

O bebê agora está órfão, como contou a tia. Os pais e dois irmãos dele morreram em um ataque de Israel, mais um na devastadora guerra contra o Hamas em Gaza após o grupo armado ter feito uma incursão assassina contra civis israelenses em 7 de outubro.

A perda de Amir aumenta o número de vítimas no minúsculo território de Gaza, onde mais de 18 mil pessoas morreram até agora, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.

Mas a criança ainda não sabe disso, como ressaltou à CNN a tia Nehaia Al-Qadra. Ele é pequeno demais para entender.

Abdallah Al-Naqbi verifica o pequeno Amir e seus ferimentos / Scott McWhinnie/CNN

“Encontraram Amir nos braços de sua mãe, deitada na rua”, pontuou Al-Qadra.

“A irmã dele morreu, o irmão morreu, o tio, minha outra irmã está internada… aqui estamos. Ele não tem mais mãe, pai, uma irmã ou um irmão mais velhos. Agora somos apenas nós dois e Deus”, relatou.

Amir chama pelo pai. “Ontem ele viu um enfermeiro que era parecido com o pai dele e começou a gritar: ‘Pai! Pai! Pai!”, contou a tia.

Quando ela precisa acalmá-lo, mostra ao menino um vídeo do pai.

Horror da guerra 

Amir irá se recuperar das suas feridas físicas com o tratamento que recebe em um hospital de campo em Rafah, no sul de Gaza, criado pelo governo dos Emirados Árabes Unidos.

Com os hospitais locais sobrecarregados com doentes e feridos à procura de ajuda depois que outros centros médicos foram danificados ou destruídos, o centro de operação criado pelos Emirados Árabes Unidos é um local de raro serviço, bem equipado e com funcionários que podem atender os casos mais graves.

A CNN presenciou esse trabalho nesta semana no hospital. Fomos o primeiro veículo de imprensa ocidental a ter acesso ao sul de Gaza para fazer uma reportagem de forma independente.

Rafah deveria estar numa zona segura no início da guerra, mas desde então tem sido alvo de ataques israelenses
Rafah deveria estar numa zona segura no início da guerra, mas desde então tem sido alvo de ataques israelenses / Scott McWhinnie/CNN

Israel e o Egito tornaram quase impossível para os jornalistas internacionais testemunhar em primeira mão a situação dos civis no local. Os militares israelenses levaram jornalistas americanos, incluindo da CNN, em breves incursões escoltadas ao norte de Gaza.

Nas ruas repletas de lixo e escombros de construções destruídas, vimos o horror da guerra. Apesar do pesado bombardeio, as pessoas vagueiam como zumbis,talvez tentando compreender as suas vidas, talvez sem mais nada para fazer.

A maioria das lojas está fechada, mas há uma longa fila fora de uma padaria. A chuva recente deixou água parada no lugar e o frio de dezembro já chegou.

“Muda o coração”, diz médico

Em outra sala do hospital de campo, a menina Jinan Sahar Mughari, 8 anos, tem o corpo inteiro imobilizado. “Eles bombardearam a nossa casa e a casa da frente”, contou.

“Eu estava sentada do lado do meu avô, e o meu avô me segurou, e o meu tio estava bem e ele me tirou de lá”, explicou.

Jinan teve fraturas na perna e no crânio no ataque, como contou a mãe, Hiba Mohammed Mughari, que não estava em casa naquele momento.

“Fui até o hospital para procurá-la. Daí cheguei aqui e a encontrei”, lembrou. Ela encoraja a filha a falar enquanto ela mesma se cala. Lágrimas correm pelo rosto dela, em um choro silencioso.

Os médicos do hospital de campo dos Emirados Árabes Unidos dizem que tratam as crianças, inocentes vítimas dessa guerra dura, mas estão tão ocupados que não podem se preocupar com isso.

Jinan Sahar Mughari estava sentada ao lado de seu avô quando sua casa foi atingida e sua perna foi esmagada.
Jinan Sahar Mughari estava sentada ao lado de seu avô quando sua casa foi atingida e sua perna foi esmagada. / Scott McWhinnie/CNN

“É algo que muda o nosso coração”, pontuou o doutor Ahmed Almazrouei a respeito de ver crianças feridas.

Seu colega, o diretor médico do hospital, doutor Abdallah Al-Naqbi, acrescentou: “Eles são obviamente civis. Não merecem perder uma perna ou braço enquanto estão sentados em casa com a família”, lamentou.

O hospital foi construído rapidamente em um estádio de futebol. O fato de ter equipe e equipamento de última geração tornou disputado o espaço com 150 leitos.

“As pessoas daqui pedem que gente mantenha nossos serviços limitados aos gravemente feridos, porque são os têm mais necessidade. E eles não podem esperar”, afirmou Al-Naqbi.

Calma no meio dos ataques aéreos

Os médicos voluntários estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, e trabalham longas horas.

“Ontem começamos às três da manhã. Quatro feridos. Sem amputações, mas queimaduras. As queimaduras são piores do que as amputações. “E ficamos acordados até o final da tarde”, relatou Al-Naqbi.

Lidar com vítimas de trauma é fundamental para o trabalho dos médicos nessa missão, apelidada de Operação Cavaleiro Galante 3.

Mas eles também checam no local as consequências do desmantelamento do sistema de saúde local e as condições precárias e de lotação que levam doenças infecciosas e outros problemas para as comunidades.

“Alguém veio com uma lesão na cabeça e havia vermes saindo da ferida. Não dá para explicar o tipo de ambiente onde essa pessoa esteve, o tipo de sujeira à qual ela estava exposta, para chegar nessa situação. Até o nosso cirurgião ficou chocado”, contou o médico.

Os residentes de Gaza vagueiam pelas suas ruas em ruínas cheias de escombros, água estagnada e lixo
Os residentes de Gaza vagueiam pelas suas ruas em ruínas cheias de escombros, água estagnada e lixo / Scott McWhinnie/CNN

Dentro do hospital há uma certa calmaria, com equipes organizadas cuidando com eficiência dos pacientes nas enfermarias, UTIs e centros cirúrgicos. Mas a guerra está sempre presente.

Quinze minutos depois da chegada da CNN, ouvimos um estrondo de ataque aéreo nas proximidades. Os médicos nem parecem notar. “Isso é a vida real”, falou Al-Naqbi, acrescentando que ouve pelo menos 20 explosões como essa por dia. “Acho que nos acostumamos”, ressaltou.

Manchas de sangue

De dentro do hospital, não há como saber o que foi atingido, se foi um alvo do Hamas ou uma casa ou comércio de algum civil. Mas logo chegam as notícias de que há vítimas que precisam de tratamento.

“Acabaram de ligar para nós agora. Vão enviar dois jovens amputados do bombardeio”, disse Al-Naqbi, caminhando para a “Área Vermelha”, onde novos pacientes feridos são recebidos.

“A maioria de nós somos médicos de emergência experientes, consultores de UTI”, explicou o profissional mais tarde, discutindo as experiências anteriores da equipe.

“Já vimos muitos traumas, mas eles chegavam no pronto-socorro de um jeito limpo, organizado, com um prontuário adequado”, ponderou.

As notas trazidas pelos paramédicos que transportam um homem e um adolescente 13 anos, ambos com membros amputados, estão manchadas de sangue.

Os dois pacientes estão gravemente feridos, e as equipes trabalham rapidamente para substituir as ataduras usadas junto aos torniquetes improvisados.

“Nenhum paciente chegou aqui com um torniquete adequado”, observou Al-Naqbi, explicando que parar adequadamente a perda de sangue é fundamental para salvar vidas.

“O mundo não está ouvindo”, lamenta palestina

Os pacientes vêm da devastada Gaza, que vimos ao longo de um caminho de 4,5 quilômetros desde a fronteira egípcia até o hospital.

O exército de Israel diz que, desde 7 de outubro, atingiu mais de 22 mil alvos em Gaza, uma região com cerca de 40 km de comprimento e 11 de largura, ultrapassando em muito tudo o que se vê em guerras modernas em termos de intensidade e ferocidade.

Quase todos os mais de 2 milhões de habitantes de Gaza foram forçados a sair das suas casas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto Israel primeiro atacava o norte e depois o sul do território em suas operações para destruir o Hamas e recuperar mais de 100 reféns ainda considerados detidos.

Lama Ali Hassan Alloush e a família seguiram as ordens de deixar o norte de Gaza e procurar abrigo no sul, mas o abrigo deles foi atingido e ela perdeu a perna direita
Lama Ali Hassan Alloush e a família seguiram as ordens de deixar o norte de Gaza e procurar abrigo no sul, mas o abrigo deles foi atingido e ela perdeu a perna direita / Scott McWhinnie/CNN

Enquanto mais nações pedem um cessar-fogo, uma jovem paciente no hospital de campo dos Emirados questionou se alguém estava realmente preocupado o suficiente.

Antes da guerra, Lama Ali Hassan Alloush, de 20 anos, estudava engenharia na universidade e ajudava nos preparativos do casamento da irmã. A família dela atendeu a ordens dos militares de Israel para deixar a sua casa no norte e fugir para o sul.

Mas a casa onde eles se abrigavam foi bombardeada. Agora, ela está no hospital, e a perna direita, amputada.

“O mundo não está nos ouvindo. Ninguém se importa com a gente. Estamos morrendo há mais de 60 dias, morrendo de bombardeios, e ninguém fez nada”, lamentou.

Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

versão original

Fonte: CNN Brasil

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