Os ex-ministros Carlos França, das Relações Exteriores, e Ciro Nogueira, da Casa Civil, e o ex-secretário de Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, deixaram Jair Bolsonaro (PL) isolado e o apontaram como o responsável pela reunião com embaixadores que agora, 11 meses depois, poderá torná-lo inelegível por oito anos.
França, Nogueira e Rocha prestaram depoimentos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em dezembro de 2022 como testemunhas, a pedido da defesa do então presidente.
As oitivas estão em sigilo, mas trechos dos depoimentos foram inseridos no voto lido nesta terça-feira (27) pelo ministro Benedito Gonçalves, relator da ação e favorável à condenação de Bolsonaro.
Os três ex-auxiliares do ex-chefe de Estado relataram ao TSE terem sido meros espectadores da reunião promovida com embaixadores no Palácio da Alvorada em julho do ano passado.
O ministro Benedito Gonçalves afirmou em seu voto que, “em uníssono, disseram que não auxiliaram o ex-presidente na preparação do material, que não foram chamados a discutir a abordagem e que desconheciam o teor da apresentação”.
Os relatos dos ex-ministros e do ex-secretário de Bolsonaro passaram a compor o acervo de provas que o TSE terminará de analisar nesta semana, no processo em que o ex-presidente é acusado pelo PDT de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo encontro com diplomatas.
Naquele encontro, Bolsonaro voltou a colocar em dúvida, sem apresentar provas, a lisura do sistema eleitoral, a acusar, sem embasamento, as urnas eletrônicas de serem fraudadas e a atacar opositores e ministros do STF e do TSE.
A reunião foi feita na residência oficial da Presidência da República e transmitida ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, e seus perfis nas redes sociais.
Benedito Gonçalves narra em seu voto que, diferentemente da posição do ex-presidente exposta à época, seu ministro das Relações Exteriores pontuou em depoimento que eleições e política externa não são temas relacionados.
A avaliação de Carlos França era a de que a disputa presidencial se tratava de um “assunto interno” do Brasil.
Carlos França afirmou em seu depoimento ao TSE que a reunião com embaixadores era “uma ideia do presidente, de se dirigir aos chefes de missão” com o objetivo de “manifestar a posição do Executivo em relação à busca […] desses critérios de transparência”.
Benedito Gonçalves ressalta em seu voto que o ineditismo da reunião convocada por Bolsonaro no Palácio da Alvorada ficou assinalado nas respostas do ex-ministro. Em seu depoimento, Carlos França destacou que “não é função do Itamaraty, nem mesmo constitucional, de que nós nos ocupemos de temas eleitorais”.
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França pontuou desconhecer um evento semelhante ao realizado por Bolsonaro no país em que um presidente da República tenha se dirigido a diplomatas para tratar de sistema de votação.
Ainda segundo Benedito Gonçalves, o ex-ministro foi ainda mais específico e informou ao final de seu depoimento que conversas sobre sistemas eleitorais dos países ocorrem “num nível hierárquico muito mais baixo”, nunca envolvendo “presidente, primeiro-ministro ou chanceler”.
O ex-ministro disse ao TSE que coube ao Itamaraty sugerir o perfil do público-alvo presente, mas enfatizou que a decisão de fazer a reunião já estava tomada.
Seu papel, conforme explicou no depoimento, foi apenas recomendar critérios para elaborar a lista de representantes, com base em um “corte hierárquico” compatível com a presença de Bolsonaro.
França reafirmou que não teve envolvimento na produção dos slides exibidos na apresentação feita por Bolsonaro aos embaixadores e que o Itamaraty foi acionado apenas para fornecer equipamento e tradutor para a tradução simultânea.
“Nós não tivemos acesso a esse material, e nós não fomos acionados para revisar esse material […], não houve participação do Itamarati na substância desse evento”, disse França.
O voto de Benedito Gonçalves também menciona o depoimento do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que foi ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Bolsonaro.
“O ex-ministro fez declarações que se distanciam da abordagem de Jair Messias Bolsonaro sobre o tema das urnas eletrônicas. De saída, expressou confiança no sistema eletrônico de votação e reconheceu a atuação da Justiça Eleitoral para seu contínuo aperfeiçoamento”, disse o relator.
Segundo o ministro responsável pela ação, Ciro Nogueira deixou evidente durante seu depoimento que esteve alheio ao planejamento da reunião, que não foi consultado sobre nenhum aspecto relevante dela, que não teve a oportunidade de dizer a Bolsonaro que era desfavorável à realização do encontro e que o classificou como superdimensionado e evitável.
Já o ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, descreveu uma atuação periférica ao ser questionado sobre a reunião no Palácio da Alvorada.
“Disse não ter informação sobre a confecção dos slides exibidos pelo então presidente e, de resto, sobre nenhum diálogo a respeito da temática eleitoral”, relatou o ministro do TSE.
A documentação oficial aponta que o Cerimonial da Presidência atuou na organização material da reunião no Alvorada.
O voto do ministro mostra que a investigação não conseguiu localizar os slides ou qualquer comunicação que indicasse o envolvimento da Casa Civil, do Ministério das Relações Exteriores e Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos ou outros órgãos do governo na preparação do conteúdo que seria exibido por Bolsonaro para os embaixadores.
A conclusão de Benedito Gonçalves, após avaliar as provas colhidas ao longo dos últimos meses e analisar os depoimentos dos ex-ministros e do ex-secretário especial, é a de que Bolsonaro “foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento [reunião com embaixadores] objeto desta ação”.
“Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir ‘relações exteriores’ (percepção distinta da que externou o Chanceler ao conceituar a matéria como ‘tema interno’), até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição (que parecem ter sido lamentadas pelo ex-Ministro Chefe da Casa Civil)”, afirmou Benedito em seu voto.
Procurado pela CNN por meio de seus advogados, o ex-presidente Bolsonaro não se manifestou até a publicação desta reportagem.
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Fonte: CNN Brasil