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“Mas ela vai jogar também?”; Mari Palma reflete sobre a ocupação feminina no futebol

jul 25, 2023
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Isso aconteceu já há muito tempo, mas eu nunca esqueci da cara de desconfiança/desprezo que o menino fez junto com essa pergunta. Na época, eu devia ter uns 14 ou 15 anos e meus irmãos, uns 19. E os meninos que estavam jogando se dividiam entre essa faixa-etária também: uns mais crianças, outros mais adolescentes.

Eles estavam em 2 times de uns 4 ou 5 pra cada lado e nós estávamos jogando só os 3 em um canto, por isso pensamos que seria legal nos juntar a eles. Na cabeça dos meus irmãos, que cresceram me incluindo em tudo que faziam, era totalmente natural que eu participasse do jogo. Ou de qualquer outra atividade que eu quisesse. Mas aparentemente, na cabeça dos outros meninos, não era bem assim. Eles já me excluíram sem eu nem ter pegado na bola.

E eu, ainda criança conhecendo o mundo e seus preconceitos, não soube muito como responder. Sorte que eu tinha meus irmãos que fizeram isso por mim e disseram que “sim, ela vai jogar. E certeza que joga melhor que a maioria de vocês”. Tudo bem que não precisava dessa pressão sobre mim (risos), mas entendi que a intenção foi boa. Eles acreditavam muito em mim e queriam me ver calando a boca de todos aqueles meninos.

Confesso que não lembro se foi isso mesmo que aconteceu, mas lembro exatamente dessa conversa antes de o jogo começar. Ela me marcou muito porque foi uma das primeiras vezes que eu me senti deslocada por ser menina. Eu era só uma criança que cresceu brincando de bola com os irmãos com toda a liberdade do mundo, mas que foi impedida de fazer parte da brincadeira por outras pessoas. E acho que não preciso nem dizer que não foi a última vez que aconteceu isso comigo.

Foram inúmeras as vezes que eu ouvi que “mulher não sabe jogar futebol” ou que eu precisei falar a escalação do time do Corinthians na final do Campeonato Brasileiro de 1998 (eu estava lá, inclusive) pra provar que eu podia fazer parte do grupinho dos caras. E por muito tempo eu fiz isso porque eu achei que precisava ser aceita. Demorou pra eu entender que eu não precisava de nada. Só que aí eu já tinha crescido e perdido um pouco da relação próxima com o futebol.

Confesso que me afastei dos jogos do meu time e parei de acompanhar já há um bom tempo, mas ainda existe dentro de mim uma faísca que me faz arrepiar toda vez que eu vejo uma bola rolando. Principalmente se for no pé de uma mulher em campo – o que, é importante dizer, eu nem imaginava ser possível quando criança. Por isso a Copa do Mundo feminina anda mexendo tanto comigo. Mas não com a Mariana de 34 anos, com a Mariana de 10. Ela não continuou jogando por contingências da vida, mas continua aqui. Hoje ela teria muito mais coragem de responder àqueles meninos, mas como não pode fazer isso, ela fica feliz de ver outras muitas mulheres em campo calando a boca deles. Sim, elas vão jogar também. E não vão parar aqui, não. Nossa briga pelo nosso espaço, seja no futebol ou em qualquer outro lugar, tá só começando.

Fonte: CNN Brasil

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