A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) afirmou em entrevista à CNN que a reforma tributária combate a desigualdade de gênero no sistema de cobrança de impostos brasileiro.
Única parlamentar do grupo de trabalho (GT) que analisou a matéria na Câmara, ela defende, contudo, que há espaço para novos avanços.
“A reforma tributária do jeito que está hoje — por mais que eu defenda avanços — é um passo muito importante no combate a essas desigualdades”, disse.
“Esse já é um passo importante, mas um dos debates que espero que avance é sobre o cashback. A população mais pobre, por consequência mulheres e negros, pagam proporcionalmente mais impostos que a população mais rica e seriam beneficiados por este mecanismo”, completa.
A parlamentar explica que a desigualdade de gênero na tributação se dá especialmente pela “arbitrariedade e falta de transparência” do sistema atual.
Com a aplicação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que simplifica a cobrança de impostos, parte das distorções poderiam ser solucionadas.
Por que o sistema é desigual?
Segundo a deputada, o sistema tributário atual se tornou um “Frankenstein” por conta de diferentes pressões de lobby exercidas ao longo das décadas.
A desigualdade de gênero na cobrança se dá pelo fato de o acesso às posições de poder — que permitem “lutar” por benefícios fiscais — ser desequilibrado.
“Na prática, ter espaços de poder ocupados majoritariamente — ou mesmo exclusivamente — por homens brancos faz com que seus interesses e produtos sejam levados em consideração, enquanto aqueles que afetam majoritariamente mulheres, a população pobre e negros não são”, aponta.
Essa tese é descrita em uma dissertação de Luiza Machado Menezes, mestra em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho, entre outras coisas, analisa a tributação sobre produtos ligados à economia do cuidado e à fisiologia feminina.
O estudo mostra, por exemplo, que anticoncepcionais (30%) são três vezes mais onerados que camisinhas (9,25%) e quase duas vezes mais onerados que viagra (18%).
Os absorventes (27,25%) são três vezes mais onerados que fraldas geriátricas (9,25%) e se aproximam do nível de tributação de bens de luxo.
“A partir do momento que temos o IVA dual, com uma legislação única e muita transparência sobre quem está na alíquota normal, quem está na alíquota reduzida, quem está pagando imposto seletivo, esses debates podem vir à tona”, afirma a deputada sobre a reforma.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero, do Núcleo de Direito Tributário na FGV, Tathiane Piscitelli explica que essas desigualdades se devem especialmente ao fato de a cobrança de impostos no Brasil ser concentrada no consumo.
“No consumo, todos pagam a mesma alíquota independente da renda. Assim, a situação é mais gravosa para a população de baixa renda. O indivíduo mais prejudicado na sociedade é a mulher negra, porque é a pessoa que menos ganha neste país”, explica Piscitelli.
Uma pesquisa da ONU Mulheres mostrou que no Brasil as mulheres recebem, em média, um salário que é 21,3% inferior ao dos homens.
As mulheres negras recebem um salário 55,6% inferior ao dos homens brancos.
A reforma atual e os ajustes
A especialista explica que a diminuição de 50% na alíquota de alimentos e bens voltados à higiene — prevista na reforma — é positiva em relação aos estudos iniciais da matéria, que penalizava ainda mais a população pobre.
Ela questiona, no entanto, o fato de o texto não prever a redução para produtos de higiene menstrual.
Também com finalidade de combater a regressividade, o cashback foi trabalhado pelo GT da reforma, mas não deve ser detalhado pelo texto que irá ao plenário da Câmara.
A expectativa é de que o instrumento seja regulamentado via lei complementar no futuro. Tabata Amaral diz ver perspectivas positivas para o avanço da proposta.
Na última semana, o grupo de trabalho da FGV coordenado por Piscitelli enviou à Câmara propostas de alteração para o texto de Aguinaldo Ribeiro. A especialista diz ver a reforma como “uma oportunidade rara” para o combate das desigualdades.
O ofício propõe diminuição da alíquota para produtos de higiene menstrual e alterações no Fundo de Desenvolvimento Regional para considerar as dimensões de gênero e raça.
Além disso, pede a inclusão de parágrafo no artigo 150 da Constituição para que a formulação de políticas tributárias sempre considere os impactos na desigualdade de gênero e raça.
“Se tivermos esse dispositivo [na Constituição], podemos ter um avanço muito significativo. Isso pode vir desde incentivos fiscais para bens de primeira necessidade e ligados à economia do cuidado, até a criação de incentivos para empresas contratarem mulheres em situação de violência doméstica, chefes de família”, explica a especialista.
Tabata Amaral também pede debates para “novos avanços” sobre o tema. A parlamentar propõe, por exemplo, que passem a ser discutidos impostos sobre carbono e modernizações na taxação sobre renda e patrimônio.
Tanto a parlamentar quanto a coordenadora do grupo de pesquisa concordam que, apesar da necessidade de se pensar ajustes marginais para combate das desigualdades, o cenário só deve ter suas principais distorções corrigidas quando o país passar a taxar a renda em maior proporção do que o consumo.
Tramitação da medida
A deputada federal afirma ter esperanças que essas mudanças possam ser debatidas no Legislativo, apesar do perfil “conservador” da maioria dos parlamentares que o compõem atualmente.
“O Congresso é bastante conservador no sentido de receoso de bater pautas mais inovadoras, preso ao discurso das redes sociais e não aos fatos em si”, explica.
Segundo apuração da CNN, a reforma tributária deve ser votada na Câmara dos Deputados entre quarta (5) e sexta-feira (6). O texto que vai ao plenário deve receber poucos ajustes em relação ao preliminar apresentado por Aguinaldo Ribeiro.
A expectativa dos articuladores do texto é de que a matéria possa se aproximar dos 400 votos. Apesar da busca por “unidade”, detalhes do texto ainda são discutidos e devem vir à tona no plenário.
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Fonte: CNN Brasil