• qui. jan 23rd, 2025

Reunião de líderes mundiais mostra que Putin perdeu lugar de destaque

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As três principais cúpulas de líderes mundiais que ocorreram na Ásia na semana passada deixaram uma coisa clara: Vladimir Putin está marginalizado no cenário mundial. Putin, cujo ataque à Ucrânia, iniciado há nove meses, devastou o país europeu e agitou a economia global, recusou-se a participar de qualquer uma das reuniões diplomáticas. De casa, ele se viu sujeito a uma censura significativa e o endurecimento da oposição à sua guerra.

A reunião dos líderes da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) em Bangcoc terminou no sábado (19) com uma declaração que faz referência às posições das nações já expressas em outros fóruns –uma delas é a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que condena “nos termos mais fortes” a agressão russa contra a Ucrânia– ao mesmo tempo em que observa opiniões divergentes.

A declaração da Apec ecoa outra, a da cúpula dos líderes do Grupo de 20 (G20) em Bali, realizada no início desta semana.

“A maioria dos membros condenou fortemente a guerra na Ucrânia e enfatizou que ela está causando imenso sofrimento humano e exacerbando as fragilidades existentes na economia global”, disse o documento, acrescentando que houve diferentes “avaliações” dentro do grupo sobre a situação.

Cúpulas à parte, a semana também exibiu Putin –que teria iniciado a invasão numa tentativa de restaurar a suposta glória antiga da Rússia– como um líder cada vez mais isolado, fechado em Moscou e nada disposto a enfrentar homólogos em grandes reuniões globais.

O medo de possíveis manobras políticas contra ele caso ele saia da capital, uma obsessão pela segurança pessoal e um desejo de evitar cenas de confronto nas cúpulas –especialmente quando a Rússia enfrenta grandes perdas no campo de batalha– foram todos os cálculos prováveis que entraram na decisão de Putin, na opinião de Alexander Gabuev, membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace.

Ao mesmo tempo, o líder russo pode não querer chamar atenção indesejada para o pequeno grupo de nações que permaneceram amigas da Rússia, como a Índia e a China, cujos líderes Putin encontrou em uma cúpula regional no Uzbequistão em setembro.

“Ele não quer ser uma pessoa tóxica”, opinou Gabuev.

Visões mais duras

No entanto, mesmo entre os países que não assumiram uma posição mais dura contra a Rússia, há sinais de perda de paciência, se não com a própria Rússia, pelo menos com os efeitos de sua agressão. As restrições de energia, as questões de segurança alimentar e a crescente inflação global estão apertando economias em todo o mundo.

Sede do G20, a Indonésia não condenou explicitamente a Rússia pela invasão, mas seu presidente Joko Widodo disse aos líderes mundiais na terça-feira (15) que “devemos acabar com a guerra”.

A Índia, que tem sido um comprador crucial da energia da Rússia, enquanto o Ocidente vem evitando o combustível russo nos últimos meses, também reiterou no G20 seu apelo para “encontrar uma maneira de voltar ao caminho do cessar-fogo”.

A declaração final da cúpula inclui um trecho que diz: “a era de hoje não deve ser de guerra” –linguagem que ecoa o que o líder indiano Narendra Modi disse a Putin em setembro, quando se encontraram à margem da cúpula no Uzbequistão. Não está tão claro se a China, cuja parceria estratégica com a Rússia é reforçada por uma estreita relação entre o líder Xi Jinping e Putin, teve qualquer mudança de posição.

O governo chinês se recusou a condenar a invasão há tempos e sequer se refere a ela como tal. No lugar disso, a China criticou as sanções ocidentais e ampliou a versão do Kremlin, culpando os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pelo conflito, embora esta retórica pareça ter sido reajustada nos meios de comunicação nacionais controlados pelo estado nos últimos meses.

Mesmo assim, nas reuniões extraoficiais com os líderes ocidentais na semana passada, Xi reiterou o apelo da China para um cessar-fogo por meio do diálogo. De acordo com as leituras dos seus interlocutores, ele concordou em se opor ao uso de armas nucleares na Ucrânia –embora essas observações não tenham sido incluídas no relato da China sobre as conversas.

Observadores da política externa da China, porém, dizem que o seu desejo de manter laços fortes com a Rússia provavelmente permanece inabalável.

“Embora essas declarações sejam uma crítica indireta a Vladimir Putin, eu não acho que elas visam distanciar a China da Rússia”, afirmou Brian Hart, membro China Power Project no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington. “Xi está dizendo essas coisas para um público que quer ouvi-las”.

Tela dividida

O isolamento russo, no entanto, parece ainda mais gritante quando se considera a turnê diplomática de Xi em Bali e Bangcoc nesta semana. Embora o governo do presidente dos EUA, Joe Biden, tenha nomeado Pequim – e não Moscou – como o “desafio mais sério a longo prazo” para a ordem global, Xi foi tratado como um valioso parceiro global pelos líderes ocidentais, muitos dos quais se reuniram com o líder chinês para conversas destinadas a aumentar a comunicação e a cooperação.

Além de Biden no G20, Xi conversou no sábado (19) com a vice-presidente dos EUA Kamala Harris, que representou os EUA na cúpula da Apec em Bangcoc. Harris disse em um tuíte que ela notou uma “mensagem chave” da reunião do G20 de Biden com Xi: a importância de manter abertas as linhas de comunicação “para gerenciar de forma responsável a competição entre nossos países”.

Num apelo apaixonado pela paz, entregue a uma reunião de líderes empresariais paralela à cúpula da Apec na sexta-feira (18), o presidente francês Emmanuel Macron pareceu estabelecer uma distinção entre as ações da Rússia e as tensões com a China.

Ao fazer referência à competição entre EUA e China e ao crescente confronto nas águas regionais da Ásia, Macron disse: “o que torna esta guerra diferente é que é uma agressão contra as regras internacionais. Todos os países têm estabilidade por causa das regras internacionais”, afirmou, pedindo que a Rússia volte “à mesa” e “respeite a ordem internacional”. A urgência desse sentimento cresceu depois que um míssil russo aterrissou na Polônia, matando duas pessoas na terça-feira (15), ao mesmo tempo em que acontecia a cúpula do G20. Como a Polônia é membro da Otan, uma ameaça à sua segurança poderia desencadear uma resposta de todo o bloco.

A situação foi desarmada após a investigação inicial sugerir que o míssil vinha do lado ucraniano em um acidente de defesa –mas destacou o potencial de um erro de cálculo para desencadear uma guerra mundial.

Um dia depois dessa situação, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, apontou para o que ele chamou de “tela dividida”.

“Enquanto o mundo trabalha para ajudar as pessoas mais vulneráveis, a Rússia as usa como alvo; enquanto os líderes em todo o mundo reafirmam nosso compromisso com a Carta da ONU e com as regras internacionais que beneficiam todo o nosso povo, o presidente Putin segue tentando destruir esses mesmos princípios”, disse Blinken a repórteres na noite de quinta-feira (17) em Bangcoc.

Busca por consenso

Ao chegar à semana de reuniões internacionais, os EUA e seus aliados estavam prontos para projetar essa mensagem aos seus pares internacionais. Embora tenham sido divulgadas mensagens fortes, reunir consenso não foi fácil –e as diferenças permanecem.

As declarações do G20 e da Apec conhecem divisões entre a forma como os membros votaram na ONU para apoiar a sua resolução “condenando” a agressão russa. O rumor é que, enquanto a maioria dos membros “condenava fortemente” a guerra, “houve outras opiniões e diferentes avaliações da situação e das sanções”.

Mesmo fazer tal expressão com ressalvas foi um processo árduo em ambas as cúpulas, de acordo com autoridades presentes. Jokowi, da Indonésia, disse que os líderes do G20 ficaram até “meia-noite” discutindo o parágrafo sobre a Ucrânia.

“Houve muita pressão que veio depois que o G20 chegou a um consenso sobre seu comunicado”, disse Matt Murray, o alto funcionário dos EUA da Apec em uma entrevista à CNN após o encerramento da cúpula. Ele acrescentou que os EUA tinham sido consistentes durante reuniões de nível inferior “durante todo o ano” sobre a necessidade de enfrentar a guerra nesse fórum, dado seus impactos no comércio e na segurança alimentar.

“Em todos os casos em que não conseguimos consenso antes, foi porque a Rússia bloqueou a declaração”, completou. Enquanto isso, “economias no meio” se mostraram preocupadas com a invasão, mas incertas se o tema deveria estar na agenda, de acordo com Murray. Ele também disse que declarações divulgadas esta semana na Apec foram o resultado de mais de 100 horas de negociações, pessoalmente e online.

As nações presentes nas cúpulas têm várias relações geoestratégicas e econômicas com a Rússia, o que impacta seus posicionamentos. Porém, outra preocupação que algumas nações asiáticas podem ter é se as medidas para censurar a Rússia são parte de um esforço norte-americano para enfraquecer Moscou, de acordo com o ex-ministro das Relações Exteriores da Tailândia, Kantathi Suphamongkhon, que conversou com a CNN nos dias antes da cúpula.

“Os países estão dizendo que não queremos ser apenas um peão neste jogo para ser usado para enfraquecer outro poder”, declarou Suphamongkhon, membro do conselho consultivo do RAND Corporation Center for Asia Pacific Policy. Em vez disso, enquadrar a censura à Rússia em torno de sua “violação do direito internacional e crimes de guerra que podem ter sido cometidos” atingiria aspectos da situação que “todos rejeitam aqui”.

A rejeição da Rússia nesses aspectos também pode enviar uma mensagem à China, que desrespeitou uma decisão internacional que refuta suas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional e prometeu se “reunificar” com a democracia autônoma de Taiwan, que ela nunca controlou, pela força, se necessário.

Embora os esforços desta semana possam ter aumentado a pressão sobre Putin, o líder russo tem experiência com essa dinâmica. Antes da expulsão de Putin por causa da anexação da Crimeia em 2014, o bloco do Grupo dos Sete (G7) era o Grupo dos Oito –e resta saber se as expressões internacionais terão um impacto.

Mas, sem Putin na mesa, como os líderes enfatizaram esta semana, o sofrimento continuará –e haverá um buraco no sistema internacional.

(Nectar Gan, da CNN, contribuiu para esta reportagem da Cúpula do G20 em Bali, Indonésia)

Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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Fonte: CNN Brasil

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