A icônica cantora Rita Lee, que morreu nesta segunda-feira (8) aos 75 anos, vivia uma história de amor há quase cinco décadas.
Seu marido, Roberto de Carvalho, além de seu parceiro de vida, com quem teve três filhos e dois netos, era também seu grande parceiro artístico, e, com o guitarrista, escreveu suas canções de maior sucesso.
Em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2020, os dois toparam pela primeira vez entrevistar um ao outro.
Rita perguntou: “Como você me aguenta há 44 anos? Confissão: Sou uma mulher esquisita, ex-presidiária, ex-AA (Alcoólicos Anônimos), ex-NA (Narcóticos Anônimos), não sei cozinhar, sou cinco anos mais velha, sem peito, sem bunda e fumante.”
A resposta de Roberto transparece a química singular dos dois: “Sou teleguiado pela paixonite há 44 anos, espero que tenhamos pelo menos mais 44 anos pela frente. Só consigo visualizar a antítese do que está nesta confissão. Quando você se declara esquisita, vejo original e genial. Ex-presidiária por injustiça, vítima da repressão. Não precisa cozinhar, eu cozinho pra você.”
“Os peitos amamentaram nossos 3 filhos. Cinco anos mais velha, não, mais antiga, e você sabe o quanto eu adoro antiguidades. Tenho Vênus em Capricórnio, que sempre vai me ajudar a relevar essa sua Lua em Virgem que vejo se manifestando aí na confissão. E quanto aos AA e NA, well, “shit happens to everyone!” (merda acontece com todo mundo!)”, completou.
O guitarrista “gato cervejeiro” de Ney Matogrosso
A primeira vez que Rita e Roberto se cruzaram foi musicalmente, em meados de 1975, quando ela recebeu uma fita k7 com a gravação de “Bandido Corazón”, de Ney Matogrosso.
Conforme relembrou em sua autobiografia, lançada em 2016, ela amou o resultado e queria saber de quem era “aquela guitarra bacana que pontuava a música”. “Alguém respondeu “é do Zezé, o guitarrista da banda do Ney. Humm”, escreveu Rita.
Na mesma época, quando Rita estava no Rio de Janeiro, resolveu ir assistir a um show de Ney no MIS. O show acabou cancelado pelo mau tempo e ela resolveu “dar um rolê” em um bar da cidade, onde viu “um moreno lindo sentado tomando cerveja”.
“A única informação obtida com o barman foi que o nome do bonitão era Roberto. Humm. Perdi o show do Rio, mas não a estreia no Beco, em São Paulo. Assistindo na plateia, tenho um estalo ao avistar determinado músico da banda. Hein? O que aquele gato “cervejeiro” chamado Roberto estava fazendo lá no palco tocando guitarra em “Bandido Corazón” no lugar de Zezé”, disse Rita.
Ela lembra que chegou com dez pessoas no camarim “pronta para sequestrar o gato” quando encontrou “sentada no colo dele uma go-go girl gostosona seminua dando-lhe beijinhos e carinhos sem ter fim”.
“Fiz a fina, fingi que nada vi e fui direto cumprimentar Ney que removia a maquiagem ali do lado e que, tomando a dianteira e botando fim na farrinha do casal, me apresentou o gato: “Este é Zezé, aquela guitarra que você gostou é dele.” Roberto e Zezé eram a mesma pessoa. Dãã”, escreveu.
Casa arrumada e um jantar: “Tudo pronto para o bote”
Rita convidou Ney Matogrosso e sua banda para um jantar em sua casa. “Ney sacou a indireta e combinou de comparecer tal hora, tal endereço, acompanhado apenas do moço em questão. Sem a bailarina-encosto, bem entendido”, escreveu na autobiografia.
Em sua casa, ao lado do parque do Ibirapuera, em São Paulo, Rita se preparou faxinando e arrumando o local. Ela disse precisar disfarçar sua “mediocridade doméstica” diante de Ney, que era “chique, protocolar”.
“Tudo pronto para o bote: comidinha caseira maravilhosa, incensos, baseadinhos enrolados, velas e uma roupinha sexy. Logo que entram em casa, Roberto/Zezé tira o sapato e suas meias vermelhas com filetes dourados pululam aos olhos”, lembra.
“”Adorei suas meias, eu faria show com elas!” O gato imediatamente as descalça, dá um beijo nelas e diz: “Não por isso, agora são suas, não tenho chulé”. Eu, que não sou chegada no fetiche, achei os pés deles lindos. Humm”, acrescentou.
A cantora lembra que Roberto negou a cerveja oferecida, disse que só tomava quando queria “bancar o fodão”. Depois do jantar, ela começou a brincar em um clavinete da sala (espécie de teclado eletroacústico). Ele se juntou e começou a improvisar nos agudos.
“O gato, além de lindo, cheiroso e excelente guitarrista, também se mostrava exímio pianista. Amor à primeira tecla”, escreveu Rita.
“Corta para a cena do dia seguinte, mostrando o casal dormindo de conchinha depois de se amarem apaixonadamente debaixo de lençóis imaculados. Na verdade, meu quarto no sobradinho da rua Pelotas estava longe de ser imaculado, era forrado do chão ao teto com fotos de James Dean, o que causou um certo estranhamento em Rob, mas, como bom carioca, não perdeu a piada: ‘Pelo menos meu rival está morto’”, completou.
Três filhos e incontáveis hits
Já em 1976, veio a primeira parceria artístico-amorosa de Roberto e Rita, que engravidou do primeiro filho do casal, Beto Lee. Ele nasceu de sete meses e meio de gestação, em março de 1977, no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
“O casal Lee/Carvalho se tornava cada vez mais fazedor de músicas e filhos. Grávidos de um novo baby e grávidos de inspiração, nossas parcerias brotavam assim-feito-jasmin, numa sucessão de hits, todos executadíssimos nas rádios”, escreveu Rita em seu livro.
A parceria de Rita e Roberto inaugurou a fase mais popular da cantora, com discos e shows muito bem-sucedidos. O primeiro álbum da dupla saiu em 1979 e compilou esses primeiros hits produzidos juntos sob uma forte influência da “Era Disco” da música.
“Rita Lee” (1979) contava com os sucessos como “Chega Mais”, “Doce Vampiro” e “Mania de Você” – no qual Rita conseguiu o primeiro lugar nas paradas abordando o tabu do prazer feminino.
No mesmo ano do primeiro disco, nasceu o segundo filho, João Lee. “Parimos o disco e a seguir parimos na marra nosso segundo filho. Digo “na marra” porque estava eu no oitavo mês quando Beto vem correndo dar um “abaço na mamã”, pula na barriga e puff! A bolsa estourou num jorro só e lá fui eu encarar cesariana”, lembrou Rita.
No ano seguinte, 1980, outro álbum homônimo, dessa vez com hits como “Lança Perfume”, “Caso Sério” e “Baila Comigo”. Em 1981, engravidou mais uma vez, durante as gravações do terceiro disco Lee/Carvalho, “Saúde”.
A parceria prosseguiu com “Rita Lee e Roberto de Carvalho” (1982) – com músicas como “Flagra” e “Cor de Rosa-Choque” – “Bombom” (1983), “Rita e Roberto” (1985), esse último no mesmo ano em que se apresentaram na edição de estreia do Rock in Rio.
Em 1991, resolveram romper temporariamente a parceria profissional, cada um concentrando-se em sua carreira solo. Em 1995, Roberto já havia reassumido as guitarras da banda de Rita nas apresentações ao vivo. Em 1996, 20 anos depois de se conhecerem, formalizaram sua união em um casamento civil.
Roberto esteve nos palcos com Rita em suas últimas apresentações, quando ela se aposentou dos palcos, em 2012.
A última música que fizeram juntos foi divulgada na pandemia, em 2021, quando lançaram “Change”, um remix eletrônico com letras em francês lançado em meio a expectativa para uma exposição em homenagem à história de Rita Lee.
Compartilhe:
Fonte: CNN Brasil